Amor
– Pelo amor de Deus, o que é isso?
– Isso o quê?
– Isso que você está vestindo.
– Camisa, calça.
– Fabia, essa calça é de cetim?
– Azul-marinho.
– DE ONDE VEIO ISSO?
– Duma fantasia de pirata do Alê, duma festa de ralouim de 2003.
– …
– Vai, mã. Fala.
– Por partes. Você está usando isso porque….
– Não tenho mais nenhuma peça de roupa limpa. Nada. Tem quatro sacos de 100 litros no meu quarto, todos com roupa pra lavar. Limpo, só tenho roupa muito boa de sair ou casaco.
– E você não lava roupa porque…
– Porque eu tou dezessete horas por dia no computador há seis semanas.
– Eu sei, filha. Tem razão. Posso ajudar com a roupa?
– Não, eu vou começar a lavar amanhã cedo.
– Tá.
– …
– …
– Que mais, mã? Fala.
– Vamos discutir porque você guarda a fantasia de pirata de dez anos atrás do Alexandre?
– Não.
– Certo. Quer me explicar que espécie de pirata usa calças de cetim?
– Mã, era o Alexandre. Você sabe como ele era.
– Eu sei. Eu sei. Vou fritar ovo, quer?
– Qué.
Ela volta da cozinha.
– E você?
– E eu o quê?
– O Alexandre usou essa fantasia, que Deus me perdoe, de pirata. E você?
– Nada. Roupa normal.
– Nada?
– Eu não uso fantasia, você sabe.
– Sei. A não ser uma com dez anos de idade, que não era sua, num sábado à noite, depois de trabalhar quase 24 horas seguidas, para descer para a sala e comer ovo frito com a sua mãe.
– Isso.

Diálogo familiar. Essa arte perdida.

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

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