Renata 

São seis horas e ele não vai ligar. Renata sabe que ele não vai ligar. Já nasceu sabendo. São seis horas e doze minutos. Ele estava num boteco com amigos quando atendeu o celular, foi muito simpático e disse que ligaria assim que chegasse em casa. Mas ele não vai ligar, Renata tem certeza. São seis horas e vinte e nove minutos e, ciente de que ele não vai ligar, Renata faz seu miojo com manteiga e requeijão e mantém o telefone sem fio sobre o balcão da cozinha, só para garantir. Ele não vai ligar porque quando chegar em casa já vai estar tarde. São sete horas e oito minutos. Renata pendura as roupas no varal com o telefone no bolso, por via das dúvidas. Ele não vai ligar porque assim que desligou o celular naquele boteco esfumaçado esqueceu de que havia falado com ela. São oito horas e quatro minutos. Renata assiste uns enlatados americanos e uns pedacinhos do Fantástico e ele não liga. Claro que não. São nove horas e vinte e sete minutos. E Renata, veterana de muitos e muitos não telefonemas, sabe que ele não vai ligar. Sabe, mas anda com o telefone pela casa. São nove horas e cinquenta e quatro minutos e ele não liga enquanto Renata, com o telefone em cima da pia, faz xixi, toma banho, seca o cabelo e passa todos os cremes. São dez horas e vinte e um minutos e quando o telefone toca Renata dá um pulinho, mesmo sabendo que não é ele. A certeza de que não é ele ligando estranhamente aumenta a esperança. Renata atende, conversa um pouquinho com sua mãe e libera a linha. Mas ele não liga. São dez horas e cinquenta e três minutos. Ele não vai ligar porque vai chegar tarde do boteco, meio bêbado, vai estacionar o carro torto na vaga, vai demorar em acertar a chave na fechadura, vai tropeçar no viradinho do tapete, vai largar camisa e mochila pelo corredor e vai se jogar na cama de calça e sapatos. Renata sabe muito bem que ele não vai ligar, porque homens e mulheres quando dizem que vão ligar, usam as mesmas palavras, mas querem dizer coisas diferentes. São onze horas e treze minutos. Ele não liga, mas Renata dorme com o telefone ao seu lado, a gata branca aos seus pés, um sono bobo, um sono leve, um sono que não acredita em nada, um sono que acredita em tudo. São onze horas e quarenta e dois minutos. 

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

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