Visitar Ilhéus e não fazer uma pequena imersão na história do cacau é uma missão quase impossível. Como imaginar uma cidade que teve sua vida regida pelo cacau e seus Coronéis, tão bem retratada na obra de Jorge Amado, com dinheiro sobrando, de um dia para o outro ter sua riqueza quase que totalmente destruída por uma doença chamada “Vassoura de Bruxa”?
Sempre se associou o cacauicultor a luxúria, exacerbação do gosto pela ostentação e ao prazer. Alguns promoviam farrombas homéricas, como chegar nos bregas (casas de prostituição) chiques e patrocinar chuvas de dinheiro. Mas havia também os que colocavam dinheiro a serviços de opções sérias, como estimular e custear os estudos dos filhos em grandes cidades ou mesmos outros continentes como a Europa e EUA, de onde foram produzidas mentes que brilharam ou brilham na quase indigência.
Vamos lembrar aqui um personagem que teve um período de ostentação e poder chamado “Lan Lan”, que imperou por vários anos a frente do poderoso CNPC – Conselho Nacional dos Produtores de Cacau, figura que ficou famosa quando fretou um boeing para levar produtores a Brasília a fim de encontra-se com o então ministro da Agricultura, Pedro Simon. Seu último paradeiro dava conta que trabalha como vendedor ambulante em nossa Estado.
Temos ainda o sobrinho de um ex-deputado, um boêmio que desfilava em carrões ao lado de belas mulheres, sempre acompanhado de seu uísque preferido, o ‘ Logan” . Atualmente faz jogo do bicho nas ruas de Ilhéus.
Enfim, ” a lavoura cacaueira que já encheu muitas burras públicas, passou de conto de fadas a filme de terror”, como sintetiza o escritor Hélio Pôlvora no livro Crônicas da Capitania. Um outro produtor de Ubatã com produção acima de 25 mil arrobas atentou contra a vida após perder sete carros, 04 apartamentos e 300 empregados.
E foi assim mesmo que a história se passou. Um fungo colocado de maneira criminosa nas plantações de cacau dizimou mais de 80% dos cacaueiros da região, acabando com toda a ostentação de seus Coronéis e, o mais dolorido, atingindo em cheio cerca de 2 milhões e meio de pessoas, entre trabalhadores e familiares.
A doença Vassoura-de-bruxa, (Crinipellis perniciosa)”Stahel” Singer, aqui identificada em 1989, bem como a ocorrência da doença podridão parda nos anos agrícolas 91/92 e 92/93; mas um longo período de estiagem 93/97, provocaram uma devastação nas fazendas cacau e que, associados a queda dos preços do produto no mercado internacional, resultaram no abandono de propriedades, mais de 200 mil trabalhadores desempregados e finalmente na falência total dos produtores, ocasionando assim o maior caos Social da região Sul da Bahia.
O município, que era o porto de saída de toda a produção de cacau na Bahia, viu sua riqueza esvair-se rapidamente. Antes o maior produtor de cacau do mundo, a região sul da Bahia mergulhou em uma crise sem precedentes. O cacau estava presente em toda a existência da região.
O contato inicial dos europeus com o cacau foi em 1502, quando um dos navios da quarta expedição de Colombo às Américas encontrou na costa norte da atual Honduras uma canoa nativa contendo amêndoas de cacau para comércio. Na América do Sul, a Venezuela foi um dos primeiros países a introduzir o cultivo do cacaueiro.
A referência mais antiga sobre o cultivo de cacau na Bahia data de 1655, quando o vice-rei D. Vasco de Mascarenhas confessou-se, em carta enviada ao capitão-mor do Grão Pará, “afeiçoado ao chocolate” e julgou útil ao Brasil a intensificação do seu plantio, principalmente na Bahia, pelo clima semelhante ao amazônico. Não se sabe, entretanto, se o pedido foi atendido.
Em 1746, Antonio Dias Ribeiro, da Bahia, recebeu algumas sementes do grupo Amelonado Forastero, de um colonizador francês chamado Luiz Frederico Warneau, do Pará. Assim, introduziu o cultivo na Bahia. O primeiro plantio foi feito na fazenda Cubículo, às margens do rio Pardo, no atual Município de Canavieiras. Em 1752 foram feitos plantios no Município de Ilhéus.
A partir da década de 1770 a coroa portuguesa passou a incentivar o plantio de novas lavouras de exportação para diminuir a dependência do comércio do açúcar. Teve início o plantio de lavouras alternativas como café, cacau e algodão.
O começo do cultivo comercial no município ilheense foi em 1820. Os pioneiros foram principalmente suíços e alemães com capital. A partir de 1835, o cacau tomou parte regular nas exportações anuais da província. Seu valor era pequeno em relação ao total das exportações provinciais, mas o cacau foi um dos raros produtos agrícolas a crescer de importância na receita da Bahia no século XIX.
Em 1860, ocorrem as primeiras exportações do produto para o mercado norte-americano (sessenta e sete toneladas de cacau baiano para o porto de Filadélfia).
Nas primeiras décadas do século XX, o cacau era o mais importante produto de exportação da Bahia e vários fazendeiros de origem humilde, proprietários de vastas plantações de cacau e de importantes casas comerciais, tornaram-se os novos ricos da sociedade baiana.
Nos anos 1930, os fazendeiros de cacau são apresentados como um grupo de homens que haviam trabalhado para a construção da riqueza regional, apesar das enormes dificuldades econômicas e sociais.
Em 1931, o governo federal declarou uma moratória nas execuções das dívidas dos agricultores de cacau e, através de Tosta Filho, criou o Instituto de Cacau da Bahia (I.C.B.).
Jorge Amado chama a atenção para o cenário do cacau com obras como Cacau (1933), seu segundo romance, seguido por Terras do sem fim (1943), narrativa sobre a saga da conquista da terra e a origem social dos coronéis, e São Jorge dos Ilhéus (1944), continuação do enredo anterior e que, como Gabriela Cravo e Canela (1958) aborda as mudanças no contexto social e econômico da região cacaueira.
Hoje, passados mais de 30 anos da Vassoura de Bruxa, visitar Ilhéus é ter a certeza que um dia estes tempos voltarão. Sem os Coronéis, sem a ostentação de outrora, mas com uma agricultura mais sustentável, seguindo os padrões impostos pelo mundo moderno. O esforço que vi de perto de pequenos e grandes produtores, nos centros de pesquisas e na alegria de quem trabalha nas plantações de cacau e fábricas de chocolate, dá a certeza que melhores dias virão. A Vassoura de Bruxa ficará na memória, como algo trágico, mas que serviu como base de novos aprendizados e posturas.
Amigo de Pelé, Stevie Wonder, Carlos Bastos, Di Cavalcanti, antigo dono das fazendas Modelo e Bom Jesus, em Barra do Rocha, e do bar Anjo Azul, na Rua do Cabeça, falando inglês, italiano, francês e espanhol, já morou em Londres, Nova Iorque e Paris, vindo parar sobre as marquises do Porto da Barra, em Salvador, e de Ipiaú como mendigo.
“São etapas da vida. Não tenho nada a reclamar. Não sinto saudades e nem depressão”. Depoimento de um outro grande produtor de cacau D.A.V, que hoje vive humildemente numa fazenda do sobrinho nos arredores de Ipiaú.
Entrevistado pelo Fantástico, da Rede Globo, teve sua biografia (Sobrevoando as Marquises), escrita pela jornalista Regina Echeverrya, a mesma autora das de Elis Regina e Cazuza.
“Certa feita combinou com Pelé, Jorge Amado e Carlos Bastos para todos comprarem terrenos na Rua do Calango Verde, na Pedra do Sal, em Itapuã, onde já estava instalado Calazans Neto. Chamavamos de o Condado de Itapuã”, conta D.A.V, que nos seus tempos de sarjeta passoua a fazer o quem é quem dos antigos amigos. “Alguns retorciam o nariz, fugiam, e desses eu também fazia questão de cortar voltas. Mas outros se aproximavam, choravam, querendo me tirar da rua, mas eu voltava, me sentia bem, só me preocupava com os tubos(garrafa de cachaça)”.O mesmo lembra que uma vez estava sob a marquise do Grande Hotel da Barra, onde várias vezes foi hóspede de suítes de luxo, quando o proprietário, Sr. Garrido, antigo vizinho no Edifício Casablanca, chegou e perguntou: O que estás a fazer aí, Sr.? E ele respondeu “Sou seu hóspede, mais uma vez”.
Para compreender melhor o que foi a praga da Vassoura de Bruxa, o OBA Gastronomia recomenda o documentário O Nó, de Dilson Araújo.
Fonte: Site de Orlando Cruz
Fotos antigas do Site r2cpress
Orlando Baumel viajou para Ilhéus para acompanhar o Chocolat Bahia 2017 a convite da organização do evento.
Assista o documentário O Nó.
Excelente sua matéria sobre o cacau!
Relembrei de minha avó baiana contando com lágrimas nos olhos sobre essa história, e hoje eu fiquei com lágrimas.
Sou chocolateira, estou estudando mais sobre a história e caminhos do cacau.
Vou ler e assistir todas as suas indicações de livros e vídeo.
Obrigada!
Andrea
Muito obrigado pelo comentário carinhoso, Andrea! Tudo de bom em sua vida de chocolateira!
Um beijo!
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