Porque hoje o Gigio me escreveu um bilhete de amor e a torta de berinjela ficou deliciosa
Amiga ligou pra dizer: “Lembra da cena de St. Elmo’s fire…” e eu me lembro, claro, ela nem precisou dizer qualera. Vimos esse filme na idade mais impressionável, foi marcado a ferro em mim, ainda trago cada detalhe em minhas retinas. Sei de que cena a Fran falava sem que tivéssemos de continuar o diálogo. Só suspiramos.
Claro que quando você mal tem vinte anos, os cinquenta são uma abstração, ainda que, meninas de classe média que éramos, uma abstração agradável: aos cinquenta, estaríamos casadas, com filhos grandes, faculdades, doutorados, carreiras, vidas estáveis, garantias. Na verdade, nunca sonhei com filhos e churrasco na prima domingo sim, domingo não, sonhei em escrever, em poder fazer isso sem maiores distrações, em viajar pra caralho. E eu tinha certeza de que, aos cinquenta, a vida seria essa, afinal de contas… Sei lá. Depois de muito trabalho, de empregos bem imbecis, de homens idiotas, aos cinquenta – finalmente – estaria tudo bem.
A vida dos meus pais naquela época, que aos quase cinquenta estavam fodidos, infelizes, solitários e assustados, simplesmente não era, para mim, coisa a ser notada. Não é que eu não imaginasse que, na idade deles, estaria fodida também: sequer era capaz de enxergar a infelicidade deles. Meu umbigo, meu umbigo, meu imbigo. Eles estavam ali para me fazer segura e feliz, eles me sustentavam, eles me diziam que eu era especial e que tudo ia ficar bem. A dor das personagens em St. Elmo’s era linda, lírica, aquele sofrimento poeta-maldito – que ainda vejo cultuado por caras da minha geração, que sofre porque precisa escrever e-mail, porque é tradutor e precisa traduzir, porque é copidesque e precisa copidescar, porque é arquiteto e precisa arquitetar etc. etc. e querendo estrelinha porque montou a tábua de passar e passou a calça social, olha, sem as mãos! – era um sofrimento totalmente irreal. Eu jamais ficaria daquele jeito, gente.
E hoje, no septuagésimo-décimo dia de janeiro de 2018 (quase escrevi 1918), aos quase cinquenta, deitada num colchão nu enquanto convulsionam diáfanas e imaginárias cortinas azuis bem na minha frente, sou uma gorda e grisalha Demi Moore, bastante espantada com o próprio cansaço, a desilusão, os mas, gente, nada deu certo, hein, que coisa louca essa vida.
Não prestei a menor atenção à dor dos meus pais e vem daí, também, a minha ridícula surpresa com o estado das cousas, da vida, com o meu estado (olá imbigo, saudades). É bem feito. E, ao contrário da bela Demi, não tenho de redenção e cura e, ah, o meu Rob Lowe, também cinquentão, não vai se materializar aqui para fazer mágica de mentirinha e me inspirar com parábolas fofitas.
Pode esquecer, Fal.
Guenta firme.