Fatias…

Histórias fatiadas, como só Fal Azevedo sabe contar.

Fui com a mamãe à casa da minha tia-avó e não foi nada mal. Além de comer deliciosa coxinha de frango e olhar para aqueles lindos olhos azuis, soube que o primeiro sapato titia calçou no dia da sua Primeira Comunhão. Aos 11 anos.

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Deus sabe que nós precisamos de novos amigos, porque os que temos só nos dão mau exemplo. De tanto ouvirmos os planos da Funny sobre as mudanças na planta da casa nova dela e de vermos a Cam se exibir por conta da reforma do seu apartamento, piramos e resolvemos detonar geral. Reforma na cozinha ou morte!  Mandamos o bom senso, a falta de poupança e a insegurança dos tempos que correm às favas e já encomendamos torradeira e sanduicheira novas para a grande inauguração. Eu também já estou namorando lindas panelas profissionais, um abridor de vinho high tech, um suporte novo de talheres, uma lixeira de inox que custa mais de cinco salários mínimos e uma balança digital que só falta falar. Chamamos o marceneiro: vamos tirar o balcão, mudar o freezer de lugar e a geladeira também, meter uma pia nova mais comprida, todinha em granito preto, e instalar a mesinha beeem petitica, que temos na varandinha, no lugar onde era o balcão (pela quantidade de diminutivos, já deu para vocês sacarem as dimensões do nosso apartamento, não?). Também planejamos mudar a torneira da pia e botar um armário bem metido no canto perto da porta. O Alexandre confiou ao marceneiro um cheque de quatrocentos reais, para provar a ele nossas boas intenções, outros irão, e eu já comecei a me preparar psicologicamente para controlar seis gatos e um cachorro neurastênico durante a inana. Nós ainda estamos ali, acertando os últimos detalhes com o marceneiro no hall dos elevadores (aço escovado ainda se usa? Fórmica é uma boa? Três ou quatro gavetas? Vale a pena embutir o fogão?), quando minha vizinha saiu para jogar uma sacola na lixeira. Assim que o moço vai embora, ela nos diz:

– Ah, eu ouvi, vão reformar, né? Eu também, antes de ter os meus filhos, vivia reformando o apartamento para me ocupar. – Ai. Na hora doeu, mas depois passou. Mais ou menos.

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Assisto aos programas da madrugada, esses que cobrem festas e lançamentos de produtos e, mesmo acusada de ingenuidade crônica, não deixo de me espantar: como tem picareta nesse mundo. Muito bronzeamento de butique, muito mega-hair, muito implante, muito dente de porcelana e muito silicone. Todos com opiniões, todos assinando contratos milionários, expandindo suas networks, fazendo “instalações”, expressando-se em performances, explanando teorias inovadoras, esmiuçando suas assombrosas vidas pessoais bem na minha frente e eu só tenho forças para me perguntar: com que diabos pagam o condomínio e o colégio dos filhos os nadas deste país? Mas vai daí que bonita e importante empresária do ramo dos cosméticos me sai com a seguinte e taxativa afirmação:

– Ah, todo mundo sai pra jantar umas duas ou três vezes por semana.

Todo mundo quem, cara-pálida? Nem em Luxemburgo a taxa há de ser essa.

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Ela me ligou para reclamar que o maior saco de ser mulher e trabalhar em casa eram as interrupções. Que nem filho, nem marido, nem empregada respeitam e ficam toda hora interrompendo, falando, perguntando. E completou que duvida que o João Ubaldo Ribeiro seja tirado de suas atividades para comprar azeite. Eu ri e concordei. Mas acho que o Ubaldo não sabe o que está perdendo. Essa é a graça de trabalhar em casa.

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Ela chegou da repartição às oito. Podre. Podre. Podre. Botou as meninas na cama. Trocou a areia da gata. Tomou banho. Jantou sozinha. Ele chegou às 10 e meia. Sem chave. Ela desceu pra abrir a porta pra ele. Ele não respondeu ao “oi”. Ele disse:
– O tal regime não está funcionando, não, é? Você não emagreceu nada.
Ele beijou as meninas que dormiam. Tomou banho. Já tinha jantado na rua. Leu na cama. Dormiu antes do Jô.

Daí ela desceu e mamou uma lata de leite condensado. Os pés frios no chão da cozinha. Dormiu sem sonhos.

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Numa viagem a Santos, ela e o irmãozinho descobriram o mais sensacional de todos os sandubas, ali, ao alcance da carteira do papai, numa barraquinha de rua. Esse era um pai que não estava nem aí, achava comida de barraquinha de rua o máximo. O Xis-tudo. Tudo? Tudo. Hambúrguer, salsicha, tomate, presunto, batata-palha, queijo, alface, bacon, ovo, lingüiça, creme de milho. Uma aberração, uma bomba calórica, um atentado à saúde pública, coisa de enfartar agente da vigilância sanitária.

Os dois se sentavam no meio-fio e comiam com as mãos afastadas da roupa.

“Para não pingar”, ensinava o pai.

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A Lu teve um momento de súbita inspiração naquela tarde, enquanto a gente enchia a cara no bar do hotel:

– Piña Colada é coisa de mulherzinha fraquinha. Mulheríssima de verdade bebe tequila – e suspirou atrás da taça de marguerita.

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A Cris almoçou um potinho de sorvete e depois um Toblerone. De sobremesa resolveu ligar para pedir os remédios da dieta. Melhor fazer isso antes que seu biotipo natural reencontre o corpinho dele.

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

Este post tem 2 comentários

  1. Suzi

    Nêga, eu tembém quero mamar na lata de leite começaaaadooooooo!!
    beijos!

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