O Arraiá da Fal.

A Fal Azevedo emocionante…para variar…

Arraiá

Minha mãe nasceu dia 24 de junho, então tinha fogueira e batata doce. E comidas de comer com a mão e todos os vizinhos e amigos, era muita, muita gente, morávamos numa chácara, quase sempre já estávamos de férias, aquela falsa ilusão de liberdade que as férias de julho dão. Meu vestido, meu único vestido de caipirinha, usei dos 5 aos 12 anos, branco e cor-de-laranja-pálido, com apliques de florzinhas azuis, aventalzinho branco engomadíssimo, rendinhas, feito, veja você, pelo Clodovil, esvoaçava, cada ano mais curto. Eu usava na festa da escola (nunca fui bonita, nunca fui a noiva, nenhum menino naquele maldito colégio espanhol queria dançar comigo…. mas a festa me encantava e me fazia feliz) e na festa da mamãe ‘nosso arraiá’, dizia meu velho. Meu irmãozinho de camisa xadrez e bigode pintado, chapéu de palha e jeans (as crianças Vitiello jamais usavam jeans. Só o Pedrão, e nas festas juninas, o que diz muito sobre muita coisa) correndo tão feliz, bombinhas, traques. Os balões do meu tio, coloridos, gorduchos, uma luzinha que subia. Bala de ovo, bala de côco, bala de café, doce de laranja da minha mãe, laranjas inteiras e com casca naquela calda de açúcar escura. Moda de viola. Maçãs do amor. Milho na espiga. Luz mesmo quase nenhuma, só a luz da fogueira, as noites daquele tempo eram mais escuras, tinham mais estrelas e duravam mais tempo. Noites melhores, mais felizes, noites que quase não existiam. Há quem reclame de festa junina, mas nunca entenderei.  Não acho nada brega, não acho nada cafona. ‘Mas’, você dirá, ‘ninguém na roça usa aquelas roupas, os chapéus desfiados, dança quadrilha e blablablá’ e eu nem vou ligar, acho tão lindo, adoro. A animação, a barraquinha de pescaria. Os bichinhos de pelúcia feios e falsificados, com olhinhos tristes que descolarão em uma semana. A fogueira que o caseiro, João, montava e acendia, cor de laranja como meu vestido, quente como meu vestido de flanela, a fogueira no meio do pátio, sólida, barulhenta, assustadora, atraente. Adulta, perguntei pra minha mãe se era mesmo tão grande ou se eram meus olhos de menina pequena, mas ela disse que sim, que o João fazia fogueiras de 1,70, 1,80, toras de madeira, jornal, gasolina, Deus protege os irresponsáveis. Churrasquinho grego, churrasquinho de carne moída, pipoca, pinhão, quentão, vinho quente (meu fofíssimo e sempre bêbado vô Affonso me dava baldes de vinho quente com soda limonada, bem, mas bem mesmo, longe da minha mãe. Não dá pra explicar o quanto amei esse vô). Eu gosto, claro, porque a vida era boa. Havia ordem, hierarquia, segurança, passado e futuro e tudo estava em seu devido lugar. Eu tinha quatro avós. Eu tinha meu pai, eu vivia com meu irmão. Gosto, porque quando havia festa junina em minha vida, eu gostava de mim. Gosto porque tudo que me é caro e familiar está lá, naquele tempo, aquele pátio amplo, as hortênsias azuis, meu rosto cheio de sardas fabricadas, boquinha de coração, meu cabelo castanho, minhas trancinhas que eram lindas, a grande vaidade da menina feia. Minha vó Cida orgulhosa dos doces dela, pé de moleque, ambrosia, pudim de claras, pudim de leite. E doce de leite cortado em losangos, minha vó tinha uma faca longa, e cortava com tanto capricho na mesa de fórmica verde, o doce quase morno, marrom claro, que grudava no céu da boca, e eu sentava no degrau da cozinha, ouvindo a conversa das galinhas, esperando o leite-com-açúcar se dissolver e fazer parte mim. Meu bom vô Zé Menino dançando catira, cantando as músicas do Divino Espírito Santo, o amendoim torrado, a canjica rosa de tanta canela, meu pai tocando sanfona, minha mãe de vestido azul, unhas cor de rosa. E o fogo que alcançava o céu. E o fogo que alcançava o céu.

*Na foto: Pedrão, Iolanda e Bibi, com Barão aos pés. Prontos para o arraiá de 1980.

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

Este post tem 11 comentários

  1. Alice..

    Que lindo,Fal…
    E eu vejo na foto uma menina linda, os meninos é que eram uns tolos…
    Beijo

  2. Silvia(Sil)

    Belas lembranças, querida.
    Eu concordo com a Alice, e digo mais: você É linda. Linda como uma fogueira dessas, alta e imponente. E fascinante do mesmo modo. A gente não consegue desviar os olhos.
    Beijo enorme!

  3. Isa

    O Pedrão tá igualzinho a ti nesta foto, é impressionante 🙂 amay o texto, lindo, lindo demais, as palavras não me chegam. mas gostei mesmo, mesmo muito.
    bjo imenso

  4. Fátima Franco

    Ai,fal:
    que inveja das suas festas porque eram na sua casa, né?
    E o meninos,todos, deviam ser uns frouxos, viu?
    Beijos

  5. flavia

    Ai Fal…eu tambem amava as festas de fogueira, que era como chamavamos, tambem ia pra roça….
    Hoje, as crionças ja não gostam de dançar quadrilha, mais, eu dancei ate perto dos 16 anos……..
    Na escola dos meninos, fazem força para que eles dancem, mas a moda emo, colorido sei la o quê os impedem de “pagar mico”. Fazer o quê??? Sorte que tem o pequeno que “estreia” esse ano, na graça dos seus tres aninhos, pelo menos isso. Bjusss

  6. fal

    Fá, eram em casa sim, deliciosas.
    Hahaha, Verô, fia, seus olhos, seus olhos.
    Oi Siiil, oi Isa!
    Flavia, que fofo, ele vai dançar!? Que amor.
    Ah, Alice, qulida!!!

  7. Carol

    Ah, o mundo gira e quando vemos, encontramos uma história parecida com a nossa, em um universo paralelo…
    Ah querida, compartilho com você a frustração dos meninos não quererem dançar com a gente, compartilho a tristeza de não ser escolhida… mas sei que também compartilho com vc a felicidade da vida adulta, de se descobrir mulher e conseguir deixar tudo isso pra trás.
    Dia desses fui ver as filhas do Orlando dançando quadrilha na festa junina, voltei no tempo…
    Parabéns Fal, lindíssimo texto.

  8. Flavia

    Eu sempre amei as festas juninas, só que eram na chácara da minha avó,teu texto me transportou praquele tempo bão.
    Fal, você falou de colégio espanhol, era o Miguel de Cervantes?se for, eu estudei lá 🙂
    besitos

  9. Flavia

    Fal,como a amiga flavia aí de cima eu também adoro festa junina, minha avó fazia na chácara dela,e teu texto me fez lembrar daquele tempo bão.
    E você estudou em um colégio espanhol? era o Miguel de Cervantes? eu estudei lá 🙂
    besitos

  10. Ai, Fal. Vc me mata. Acabei de escrever sobre festa junina, tb.
    Outra coisa q vc esqueceu das noites do passado – as minhas, pelo menos: elas eram mais frias.

    Bj enorme e cheio de sabor de churrasquinho com farofa.

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