Falando em Comida!

cronica

Para fechar a semana, o Oba traz um lindo texto, falando da relação que pessoas tem com comida. Escrito por Carol Figueiredo, do Blog Divagações da Carol. Com certeza, muitos de vocês irão se identificar, de uma forma ou de outra. É para sentir!

COMER

Fui convidada a refletir sobre comida..
Minha mãe ainda a pouco reclamava da quantidade de comida que a gente come… comer é um dos maiores prazeres.

Lembra?
Sala da tia Sofia, caderneta da escola e a mãe pedindo pra professora esfriar o café pra mim, que era muito quente, estou escrevendo e lembro do gosto do suco de abacaxi na canequinha de alumínio que ainda tenho, com meu nome gravado. (Eu era tida como burguesa na sala, tinha de alumínio enquanto as dos outros era de plástico). Tinha dias que tinha bolacha de chineque. Odiava.
Fazia caminhos no purê de batata, e o que tirava, usava pra construir casas e árvores no prato, minha mãe tinha paciência demais com a minha preguiça de comer. Era muito boba…

Com quatro anos quase morri, um docinho de festa me trouxe de presente uma infecção intestinal. Sobrevivi, mas me despedi do Iogurte e de tantas outras coisas gostosas de infância. Mesmo depois disso, meu organismo demorou muito tempo pra não me avacalhar cada vez que experimentava coisas novas. Com isso ganhei o receio.
Meu pai nunca esquece a primeira vez que me levou numa churrascaria depois que sai do hospital, a de sempre, “Boi na Brasa”, os garçons já sabiam o que me oferecer: picanha, linguiça e coração. Tinha 4 anos e, naquele dia, queria TUDO. Tinha saído do hospital, me livrado daquela comida horrível. Queria comidinhas gostosas.

Sempre comia as coisas diferentes na casa dos outros. “Porque será que a mãe não faz isso lá em casa”.
Lembro quando minha tia me mostrou como se fazia pão. Meu primeiro nome de tempero: “noz moscada”. Achava lindo!
Comecei a trabalhar cedo… 10 anos depois enfrentava meu primeiro bandejão. Bandejão mesmo, salário de estagiário não te permite sonhar com comida, você só pensa no valor do vale. Sempre pagava a Coca. Não há nada que sobreviva no estômago depois da Coca.
Nessas horas de bandejão dava saudade de comida de verdade, o Frango com molho da minha mãe, o macarrão com posta da minha avó… hum, o feijão preto com bife da vó. A maionese com ovos e o bolo de amendoim da mãe do meu pai. A toalha felpuda do café da tarde da minha tia.

No ano seguinte eu lia: “Como Água para Chocolate”. Como não mudaria sua vida um livro que fala de uma mulher que cozinhava pra lidar com seus sofrimentos? Que transformava sua insegurança em comidas fenomenais? (Tita se esmeraba con angustia en cocinar cada día mejor.Desesperada, por las noches, inventaba una nueva receta con la intención de recuperar la relación que entre ella y Pedro había surgido a través de la comida. De esa época de sufrimiento nacieron sus mejores recetas. Y así como un poeta juega con las palabras, así ella jugaba a su antojo con los ingredientes y con las cantidades, obteniendo resultados fenomenales.) Hum, me deu vontade de aprender a cozinhar depois de ler este livro.

Depois as coisas melhoraram pra mim, ganhava o mesmo salário fixo que ganho hoje, mas a 9 anos atrás, era muito mais dinheiro. Trabalhava no centro. Me apaixonei pela Comendador Araújo naquele ano. Pra quem não tinha opção, tinha ganho um leque enorme de opções. Neste ano comi comida chinesa pela primeira vez. Lombo ao molho agridoce. Me encantei por aquela cor, me apaixonei pelo gosto. Neste ano tinha meu primeiro restaurante de estimação. O bom e velho China Town. Só ia lá com quem gostava muito. “E ai, quando você vai levar fulano no chinês?”. Recentemente encontrei a confraria dos meus ex namorados fazendo um almocinho lá. Foi engraçado.

E no ano seguinte comecei a namorar uma pessoa que marcou definitivamente minha vida gastronômica. O primeiro ano foi terrível, passava fome e tinha altas discussões com a sogra por não comer a comida dela. Tinha que experimentar tudo, não podia só comer a carne ou a massa. Uma hora não dava mais pra passar fome, tive que encarar. Amei. Minha mãe até hoje resmunga por eu ter elogiado a comida da sogra numa determinada ocasião. Mas mergulhei fundo nesse mundo, desenvolvi minhas melhores técnicas pra sandubas, aprendi a usar os temperos e, o mais fundamental: a experimentar.

Depois disso me segure! Experimento tudo que vem pela frente. Comida asiática, comida grega, comida alemã…alguma coisa de comida portuguesa e australiana… Ainda faltava experimentar alguma coisa de comida francesa… ainda faltava um monte de coisa.
Quando foi pra fazer meu plano de negócio, resolvi fazer de um bistro. Todo mundo pensando na sua marcenaria ou seu escritório de design e eu pensando no meu bistro. Nessa época comia num restaurante na Taunay, no começo do mês quando ainda tinha um trocado na carteira. Hum, amo aquele lugar, a comida daquele francês com o sotaquinho de biquinho dele. Ambiente único, clima raro.
Conheci muita gente fantástica por causa dessa minha coisa com o bistro.

Num belo dia me levaram pra tomar café no Municipal. Eu simplesmente tive um chilique! Queria guardar aquele aroma num potinho pra ficar cheirando durante a semana e voltar lá pra reabastecer no sábado seguinte. “eu consigo imaginar você pedindo licença e enfiando o braço inteiro dentro de um saco de feijão”. Cores, formas, cheiros, texturas, novidades e coisas exóticas no mesmo metro quadrado. Vontade de comprar meio mercado para experimentar e a outra metade porque é raro de encontrar fora de lá, se sobrar espaço compro mais um tanto porque achei a cor linda ou porque a textura é fantástica. Como aprender a usar o Kino como ingrediente de vinagrete…

Antes de casar passei fome, ia dormir pq a dor de cabeça de fome era tremenda, e fui mirrando. Meu ex marido me deu de comer, dava de comer a minha irmã também, como não amar uma pessoa que não me deixava passar fome?
O casamento me trouxe a arte do improviso e da multiplicação dos pães, casada aprendi a fazer de meio um inteiro fantástico. Todo mês me comprava mais um ingrediente e assim fazia minha gaveta de tempero. E assim comecei a fazer comidas que minha mãe não havia me ensinado a fazer. Comecei a brincar de cozinhar e tomei gosto. Quirera às 10 da noite com receita anotada no verso de caderno da faculdade. Cozinhar contra o relógio; tive que aprender a unir adrenalina e o prazer de cozinhar na mesma frase. Acho que ficou bom.

Quando me separei ficou a gaveta de tempero e a vontade de cozinhar ficou lá… guardada também. Depois que me separei cozinhar era uma idéia sofrida, pois me fazia lembrar do amor com que fazia a comida pra pessoa nem tocar no prato e ir dormir. Depois esquento no microondas, dizia ele.

Gosto de cozinhar sabendo que a pessoa que vai comer sente prazer em fazer aquilo, que gosta da comida. Quando você cozinha com restrições de gosto acentuadas… o prazer vai embora.

A conversa do bistro saiu da gaveta depois que conversei com um amigo sobre o que ele tinha achado da massa lavada no chá de um restaurante, e resolvemos depois de 4 horas de conversa, que é tempo de se pensar em tirar as coisas do papel e trazer pro mundo real.

Nessa retomada pelo gosto de cozinhar, encontrei novos amigos, novos rumos e novos sabores. Redesign de sabores, pra combinar com a nova vida e os novos amores.
Vou descer, são quase duas da manhã, mas falar em comida, me deixou com fome.

Carol Figueiredo é Designer de Móveis, eterna observadora, sonhadora e apaixonada por tudo que faz…além de divagar muito bem! Dona do Blog Divagações da Carol! E, claro, minha querida amiga!

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.