As coisa darão errado   (Parte 1)

Mais uma crônica emocionante da Fal! Desta vez, dividida em duas partes.

Eu não fui criada para essa vida, saibam os senhores. Mas não mesmo.

Meu velho e saudoso pai tinha grandes planos de ter uma filha cientista. Minha pobre mãe até hoje geme de desgosto porque eu não fiz mestrado – justo eu, que nem consegui passar pelo estágio, imaginem.

Menina nos anos setenta e moça nos oitenta, meu futuro era feito de promessas de uma brilhante vida profissional, com empregadas e babás para me servir para todo o sempre, amém. Meu pai não gostava nem que eu tentasse varrer a sala ou lavar a louça e boicotava toda e qualquer incursão culinária na qual eu me metesse. Sua máxima era “Filha minha não é criada para lavar cuecas”.

Mas daí eu cresci. E me transformei nessa decepção ambulante. Lá pelas tantas conheci um moço que não deu a mínima para meus múltiplos defeitos, para minha carreira alicerçada em subempregos e para o meu gênio ruim e casou comigo.

E aí la cosa se quedo peluda.

Arrumar a casa era um mistério e meus primeiros meses de casada foram gastos, para minha eterna vergonha, com meu doce marido me ensinando a gerenciar uma casa (entenda-se lavar louça, passar pano, arrumar a cozinha, passar roupa e outros etecéteras) para que juntos, como fazemos até hoje, transformássemos nossa casa num lar.

Cozinhar eu já sabia porque sempre adorei e apesar dos golpes de estado e caras feias de meu velho pai.

E apesar dos planos ambiciosos de papai, não apenas lavei cuecas, mas também lençóis e camisas e saias. E depois passei tudim. É assim até hoje.

Mas aprendi na raça que preparar uma lasanha ou um pavê num final de semana é uma coisa. Tocar uma cozinha no dia-a-dia, com orçamento, com restrições, com alguma ordem e certa dose de criatividade é outra coisa completamente diferente.

E assim, aprendi também umas tantas mumunhas.

A primeira coisa a se fazer é avaliar a sua cozinha. Não a da novela, não a da loja. A sua.

O que é que cabe? O que é que não cabe?

E do que cabe, seja no espaço físico da cozinha, seja no seu orçamento, o que é que você realmente precisa? Não o que você vai precisar um dia “Vou comprar essa maravilhosa máquina de fazer massa, porque quando eu aprender a cozinhar…”. Fuja dessas armadilhas. Um dia, talvez, quem sabe, quando você virar o maior fazedor de macarrão da história, você vai e compra uma máquina de massa supersônica, com manivela cravejada de brilhantes.

Por hoje compre o básico.

E qual é o básico? Reformulando, qual é o básico se você quer, com vagar e cuidado, aventurar-se nesse mundo incrível que fica entre o elevador de serviço e a máquina de lavar roupa?

O básico é:

Máquina de lavar louça: Sim. Se couber na cozinha e você puder pagar, tenha uma. Máquina de lavar louça é liberdade. Sério.

Lembre-se: Máquina de lavar louça não atura desaforo. Siga as instruções do fabricante, tire os restos de comida dos pratos antes de colocá-los na máquina e não use mais sabão que o recomendado.

Verifique antes de comprar louça, travessa, talheres e panelas se eles podem ir à máquina de lavar pratos. Lavar aquelas taças lindas, que foram do casamento da sua mãe, vá lá, mas ter que lavar prato de todo dia na unha porque eles são frágeis e não podem ir para a máquina é burrice.

Um bom fogão: Não o fogão semi-profissional que você viu na revista, aquele que custa mais que um carro popular, mas um bom fogão. Com um forno que funciona. Estável. Bacana. Um bom fogão é sempre um ótimo investimento e dura muito se você cuidar direito dele.

Uma boa geladeira: A mesma coisa que o fogão. Uma boa geladeira, fácil de limpar, duplex, ou seja, com freezer separado, assim você evita, pelo menos no começo da sua vida nova de comprar um freezer.

Tigelas: Muitas, muitas tigelas. É impossível cozinhas sem elas. Escolha tigelas fáceis de lavar e que agüentem o calor, porque elas vão ser usadas perto do fogão, e que não quebrem, porque você vai pegar nelas com as mãos molhadas e melecadas e, acredite em mim, você vai derrubar várias. O que você quer são tigelas de inox.

Colheres de pau: Embora esses bundinhas do departamento de saúde, higiene e outros seres atilados fiquem disseminando pânico entre as donas-de-casa deste país nos programas domingueiros dizendo que as bactérias das colheres de pau nos matarão a todos, em verdade vos digo use colheres de pau. E quando você esquecer a colherona de metal dentro da panela onde ferve o recheio para o pastel e se queimar seriamente ao tentar pegá-la, você concordará comigo.

Mixer: Aparelho abençoado substitui o liquidificador para quase tudo, pode ser usado dentro da panela onde, por exemplo, fervem os tomates para o molho domingueiro. E ao contrário do liquidificador, são facílimos de lavar, porque não tem copo.

Batedeira: Sinceramente, pelo menos no começo de sua empreitada você pode fazer tudo com o mixer. Menos… claras em neve. Assim, se suas receitas de iniciante incluírem claras em neve (e muitas incluem, como suflês, bolos e mousses), sugiro uma batedeira bem simples para começar, uma baratosa, talvez uma de mão (batedeiras de mão são aquelas sem suporte ou bacia, costumam ser mais baratas e dão conta do recado).

Panelas: Um bom jogo de panelas com um panelão grandão para fazer macarrão (e saiba, você fará muito macarrão), duas caçarolas de médio para grande e duas de médio para pequeno. Você precisa também de umas três frigideiras, sendo uma delas (pelo menos) grande e funda. Ouça meu conselho e compre boas panelas. De inox, ótimo. De vidro, minhas preferidas. De ágata, lindas, mas tenha certeza de que são de boa qualidade, panela de ágata vagabunda solta “casquinhas”, é uma coisa horrorosa. Mesmo motivo pelo qual você deve ter cuidado com panelas antiaderente. E se você for comprar panelas antiaderentes lembre-se que seus talheres de cozinha devem ser de madeira e silicone, materiais que não risquem as panelas.

Tranqueiras fundamentais: Uma peneira pequena e outra média, abridor de latas e de garrafa, escorredor de pratos, um relógio (pode ser o do microondas), tábuas para picar e cortar (duas ou três), toalha bonita, porta travessas bonitos, travessas bonitas, louça bonita, guardanapos bonitos (ainda que de papel), copos e talheres bonitos, para que você possa comer numa mesa agradável, boa de olhar, porque você merece. E quem come de pé é cavalo. Ah, e escorredor de macarrão.

Lembre-se: Deixar sal, azeite e demais temperos sempre próximos do lugar onde você vai temperar a comida.

Uma boa faca: Esqueça, pelo menos por hora, desses jogos enormes, metidos à besta, caros (e lindos, vamos combinar) de facas. Para começar você precisará de uma faca muitíssimo boa, fácil de afiar, que “caiba” bem na sua mão e que possa ser usada para picar e cortar tudo o que pintar. Sugiro que você vá a uma loja bacana que deixe você experimentar as facas, ou ao menos tocá-las, segurá-las, testar o cabo, o peso… Compre também uma chaira.

Muitos panos de prato: Muitos. Muitos. Muitos. Daqueles que possam ser fervidos e postos de molho na água sanitária porque eles vão sujar. Use panos o tempo todo para secar, limpar, pegar cabos quentes, travessas e até, pasme, para secar louça.

Lembre-se: os cabos e tampas das panelas também ficam quentes, assim como os talheres de metal dentro das panelas, porta do forno, assadeiras dentro do forno. Mantenha os cabos voltados para dentro do fogão e não pegue em nada sem um pano.

Jogo de assadeiras: Um jogo de três assadeiras retangulares é um bom começo. Se você puder ter uma redonda, não muito grande, para os bolos, melhor ainda. Recomendo com convicção as assadeiras de material antiaderente, porque ninguém merece lavar assadeira com gordura grudada.

Papel toalha: Não há vida possível sem papel toalha, a não ser que você tenha mucamas para lavar bilhares de paninhos de limpeza. A bancada suja, o molho que espirrou na parede, o ovo que caiu no chão? Papel toalha neles.

Panela de pressão: Sim, você precisa de uma. Coragem. Elas são seguras, sério. Compre uma antiaderente, porque acidentes acontecem até com quem já faz uso delas há um tempão e lavar panela de pressão de inox ou alumínio, com feijão e molho de carne grudado, é o inferno em vida.

Lembre-se: fique atento à borrachinha da panela de pressão, à válvula (que se não for bem lavada pode entupir) e ao encaixe panela/tampa na hora de cozinhar. Lembre-se também de não tentar abrir a panela antes de toda a pressão sair de lá de dentro. “E cumé que eu sei disso?” A valvulinha tem que acabar de fazer shiiiiiiiii e a tampa tem que sair facinho.

Formas de vidro ou de porcelana que possam ir ao forno: Tem um monte de marcas extremamente confiáveis e acessíveis. Compre duas ou três, tamanho médio, para começar. São ótimas para suflês e lasanhas, para gratinar e não fazer feio se forem do forno direto à mesa.

Lembre-se: “Pequeno”, “Médio” e “Grande” são termos que variam de acordo com o tipo de comida que você faz e com o tamanho e apetite das pessoas para as quais você cozinha. O “grande“ de uma família frugal de três pessoas é diferente do “grande” de uma família comilona também de três membros.

Potes para guardar ingredientes ou comida pronta, no freezer e na geladeira: Ahá, os famosos tapaué! Eu prefiro os de vidro, com tampas de plástico coloridas. Eles não pegam cheiro e nem cor como os de plástico e os das marcas melhorzinhas fazem o grande circuito freezer-forno-de microondas-máquinas de lavar pratos com categoria

Lembre-se: Mantenha seus armários de cozinha – louça, mantimentos, potes variados e panelas – em ordem. Sempre. E sua geladeira também. Força.

Continua semana que vem…

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

Este post tem 5 comentários

  1. fal

    ai si…. eu tb não sou chegada, mas eu usava…. facilita horrores a vida. :o))

  2. Joseane

    Ai Fal… Que pena… Não tenho nem espaço nem dinheiro por enquanto para ter uma máquina de lavar louça… Mas o resto eu tenho!!! E sabe o que? Até dá pra ser cientista e viver na cozinha! Beijos, adoro quanto tu escreves aqui no blog!

  3. Cleu

    Olá Fal,

    No meio de tudo muito legal que você escreve, eis que me deparei com a dificuldade em lavar trecos engordurados, queimados e tal. Eu também sofria. Até que aprendi a coisa mais antiga: água quente! Esquente água, jogue na panela queimada, na forma engordurada junto com o detergente e voilà! Sai tudinho até com a parte macia da esponja.
    Abraços e parabéns pelos textos.

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