Fala, Fal!

Mais uma deliciosa crônica da Fal. Desta vez, tomei a liberdade de fazer suas receitas. Exatamente como ela dita…sem tirar nem por, apenas uma firulazinha ou outra.

Sabores

Na década de setenta eu era uma menina que corria de calcinha pelo quintal e o mundo era cheio — muito mais do que hoje, lamento dizer — de som e fúria, de cores e cheiros, de sensações e, é claro, de sabores.

Sabores azedos e cotidianos como o das mexeriquinhas que comíamos — meu irmão Pedrão, e eu — das árvores e do limão-cravo, que saía direto do pé para a jarra de suco ou para a mesa, onde temperava a salada e o meu bife (essa mania de pôr limão em tudo me acompanha até hoje).

Sabores doces e derretidos, como o bolo-de-bolo da minha mãe (“Mã, o bolo é de que?” “De bolo, oras!”), cortado em fatias grossas, envoltas em Manteiga Aviação — adoro aquelas latas, meu pai comprava no armazém do Seu João.

Sabores secretos e excitantes de bolinhos de chuva com canela e açúcar, delicioso segredo com o qual o cozinheiro (como era o nome dele, meu Deus?) aplacava a nossa fome quando voltávamos da equitação e as duas horas que nos separavam do jantar eram longas demais. Até hoje como esses bolinhos olhando em volta, atenta, esperando ser pega em flagrante a qualquer momento.

Sabores açucarados e ternos como o doce de laranja — laranjas inteiras, com casca — que minha mãe fazia, cujo caldo aplacava a tosse de fumante inveterado do meu avô Affonso.

Sabores aconchegantes, como a sopa de beterrabas, ou surpreendentes como os palitos de cenoura crua molhados no vinagre.

Sabores higienicamente comprometidos como os chicletes que meu tio Márcio comprava para mim no botequim e que se caíssem na calçada eu podia comer porque “Micróbio não come chiclé, Bi!”, e sabores — todos eles — maravilhosos e assépticos, preparados na imaculada e cirurgicamente esterilizada cozinha da minha avó Cida.

Das muitas fixações da minha vida, comida é a mais feliz delas — que o diga meu manequim 54 — e o que comer, quando comer, como preparar, são dúvidas cruciais, são meu Santo Graal e me encantam, ocupam e apaixonam.

Comida é das manifestações culturais mais importantes, é a mola propulsora de toda a civilização — e você pode apostar seu Big Mac nisso, baby. A identidade social que se revela ao escolhermos este ou aquele alimento, comido assim ou assado (sem trocadilho), aqui ou acolá, revela nossa estrutura de sociedade, nosso estilo de vida, nossa atitude (palavra batida, mas muito boa) diante do SER SOCIAL. E todos nós, o publicitário no sushi-bar, a mulher muderna e suas saladinhas, o gordo que mama, com dor e culpa, aquele leite condensado na lata nas altas da madrugada, o cara que pega trem e ônibus para ir trabalhar e leva a marmita debaixo do braço, o bancário que come com tícket, a mãe que prepara a gelatina para o almoço de sábado e o sem-teto que come o que você jogou fora na lixeira do seu prédio, somos peças desse imenso mosaico que chamamos de sociedade e que, também se desenha a partir destas informações.

O país em que vivemos, a sociedade na qual transitamos podem, devem e são também entendidos e analisados através do que comemos — e do que não comemos, claro.

O poeta Robert Frost disse que ninguém é impunemente.

Pois eu acho que ninguém come impunemente.

E isso é maravilhoso.

SOPA BÁSICA DE PROTEÇÃO CONTRA O FRIO, A DEPRESSÃO E O MUNDO LÁ FORA

Ingredientes

2 maços bem bonitos de espinafre

1 quilo de abóbora

1 xícara de leite

1 litro de água

Sal???

Pimenta branca moída na hora

Como fazer

Lavados os vegetais, ponho tudo numa pala de pressão e deixo cozinhar, em fogo baixinho, com calma, enquanto fico sentada no meu banquinho da cozinha, tomando café com leite morninho e pensando na finitude humana.

Quando está tudo estão macio que os cabinhos do espinafre derretem (sim, eu uso os cabinhos), eu ponho o mixer dentro da panela, ligo, e deixo as pás de metal, ajudadas pela eletricidade fazerem seu trabalho. Os puristas – que Deus os abençoe – passam os vegetais pelas mais diferentes peneirinhas e peneironas e os amassam com garfos variados e empregam toda sorte de recursos para não submeter as vegetais às garras de metal dos aparelhos modernos. Eu não. Eu meto o mixer na panela e estamos conversados.

Só depois eu experimento e vejo quanto sal eu quero pôr. Não aconselho muito. Sal demais não permite que você sinta o maravilhoso sabor do espinafre e o docinho da abóbora. Já um pouquinho de pimenta branca faz um contraste interessante com o fundo adocicado.

Francamente, essa sopa não substitui a terapeuta, mas dá forças para dirigir até o consultório dela. Ou para voltar para a cama.

Tomo em grandes xícaras de boca larga, com colher. E, às vezes, choro um pouco.

Bolo-de-bolo da Marli

Ingredientes

2 xícaras de farinha de trigo

1 xícara de açúcar

1/2 xícara de óleo

3 ovos

1 laranja inteira

1 colher (sobremesa) de fermento químico

Para a calda, 1/2 de copo de suco de laranja (a julgar pelos copos da mamãe, isso é mais ou menos uns 80 ml de suco.

Como fazer

Pré-aqueço o forno em temperatura média (180 graus).

Lavo a laranja e corto em quatro partes, tiro as sementes e os fiozinhos brancos internos.

No liquidificador (no mix não dá, já tentei e o meu, pelo menos, num guenta com a laranja), bato a laranja (é, com casca), os ovos (ah, sem casca, rárá) e o óleo.

À parte, misturo a farinha (peneirada, podem me chamar de fresca, mas fica melhor), o açúcar e o fermento.

Então, despejo o que foi batido na tigela e bato com a colher de pau.

Ponho tudo na forma e depois: forno!

Quanto tempo de forno? Como não conheço seu forno, aliás, nem a sua casa, aliás, nem sei onde você mora, aconselho o velho truque do palitinho-espetado, além de olho, nariz e bom senso. No meu forno, demora cerca de 26 minutos.

Quando o bolo sai do forno, lindo, dourado e glorioso, despejo (nele quentinho) o suco coado de laranja, bem devagarinho, espalhando bem para não “alagar”.

Daí eu desenformo e não deixo esfriar, claro. Como antes.

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

Este post tem 9 comentários

  1. Alline

    Vou tentar o bolo. E comr quente, logico.
    Beijocas

  2. Isa

    Ah, limão em tudo :)))))
    Deliciosa crônica, querida.
    Bjo imenso

  3. K

    A comida diz tudo , você também.
    Antes do meu francês ir embora, há um mês, eu me preocupava com o que meus pequenos ingeriam.Refrigerante em casa ? Nunca.Só nas festnhas.O minimo de comida industrializada era permitido e os finais de semana eram mais ou menos liberados.Agora, quando a tristeza e a dor me tiram a energia e a fome, venho do supermercado com sacolas repletas de achocolatados, biscoitos recheados,macarrão instântaneo, sucos de caixinha.Pode não por fim à tristeza mas os meninos ficam, pelo menos, com a barriga cheia.E ironia, me deram uma secadra de aface de presente de dia da mães.Sempre om te ler, querida.

  4. K

    No comentário acima eu quis dizer a falta de energia e apetite e não fome como escrevi.Sorry…

  5. Flavia

    Meu sonho de consumo, um dia poder comer qualquer coisa que você fez……com vc do lado……contando, relembrando da sua infancia!

  6. Suzi

    Te odeio. Essa receita de bolo junto com a da sopa é golpe baixo.
    bejo

  7. fal

    Suzi Márcia, sua fofa, eu tb te odeio. Flá, beijos, querida. Oooi Bel, aqui fia?? K, meu bem. Oi doçura. Adorei o que vc disse por e-mail, vou avisar lá no Drops sim. E sabe, essa fase da comida trash vai passar, meu amor. Tenha fé. Oi Alline!

  8. Laura Andréa

    Uma gostosura esta crônica!Beijos Falzinha

  9. simone damião

    Puxa vida… amei essa receita e o modo como vc repassou…rsrsrsrs! a história da frescura por farinha peneirada sofro um pouco, porque falam que sou enrolada para bater até bolo..rsrsrsrs vou fazer na casa da minha mãe para a minha turma…depois conto…
    Bjos..

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